Anna Martine Whitehead is a multidisciplinary artist and dancer based in Chicago. Their work and research address a Black, queer relationship to time, as well as the prison industrial complex and the experience of incarceration. Anna Martine Whitehead has held residencies at 3Arts, Headlands, High Concept Labs, and the Museum of Contemporary Art of Chicago. They have also written for a number of publications and lectured at the School of the Art Institute of Chicago.
Candai Calmon and Anna Martine Whitehead are two dance artists working through Black, queer, and female experiences. Both are part of “Close to There <> Perto de Lá”, an artist exchange program between Salvador, Brazil and Chicago organized by Comfort Station (Chicago), Projeto Ativa (Salvador), and Harmonipan (Mexico City). Through the program, 10 artists from Salvador have come to Chicago this August, and 10 artists from Chicago will visit Salvador in 2020. In advance of the start of the program, Sixty Inches From Center moderated three conversations over cloud-shared documents between artists on either side of the exchange.
Candai in Salvador, Martine in Chicago, sent each other questions and answers, which I translated and relayed to create the exchange you see below. The artists had briefly met in June, when Candai had the opportunity to come Chicago and screen a video with some of her work in the quilombos in Bahia. Candai and Martine touch on the differences between stage work and social practice in performance, and the importance of sound for dance and movement.
Note: This interview has been edited for clarity and length and translated for our readers in Chicago and Brazil. Portuguese sections of this interview are in bold, and the English sections are un-bolded.
Anna Martine Whitehead é uma artista multidisciplinar com ênfase em dança e performance que vive e trabalha em Chicago. Sua prática e pesquisa investigam a relação negra e queer com o tempo, assim como o complexo industrial prisional e a experiência do encarceramento. Martine realizou residências em instituições como 3Arts, Headlands, High Concept Labs, e o Museu de Arte Contemporânea de Chicago. Ela tem artigos em diversas publicações de arte e cultura e deu aulas como professora-artista na School of the Art Institute of Chicago.
Candai Calmon e Anna Martine Whitehead são duas artistas de dança e movimento com foco na experiência negra, queer e da mulher. As duas são parte de “Close to There <> Perto de Lá,” um intercâmbio de artistas entre Salvador e Chicago, organizado pelas instituições culturais Comfort Station (Chicago) e Projeto Ativa (Salvador), com apoio da Harmonipan (Cidade do México e Salvador). Por meio do programa, um grupo de artistas de Salvador vem a Chicago este agosto, e um grupo de Chicago vai a Salvador em 2020. Antes do início do programa, Sixty Inches from Center moderou três conversas entre artistas de cada lado da troca, usando documentos compartilhados online.
Candai em Salvador, Martine em Chicago, enviaram uma a outra perguntas e respostas, que foram traduzidas e relatadas pela editora para criar a troca abaixo. As artistas haviam se encontrado brevemente em junho, quando Candai teve a oportunidade de vir a Chicago e mostrar um pouco de seu trabalho nos quilombos. Candai e Martine falam sobre suas trajetórias com a dança e com questões raciais, sobre as diferenças entre o trabalho de palco e a prática social no campo da performance, e a importância do som para a dança e o movimento do corpo.
Looking into your trajectory in performance that you share on the web, Martine, I see many similarities with my own path in these processes of creation in dance. So, I wanted to bring you some questions about these similarities.
In some of the writing about your pieces, you bring up concepts and ideas that are very interesting to me–above all your ideas about “negritude” and “ transdisciplinarity” in dance.
So, to start off: who is Martine in the context of “artivism” (art + activism), the Martine who integrates the social issues faced by the Black population (death, incarceration, health, ancestral heritage…) in their performance works? Who are you, Martine, in these trajectories, and what do you wish to accomplish?
Observando parte da sua trajetória performática que compartilha aqui na web, Martine, vejo muitas semelhanças com meu caminhar nesses processos de criação em dança. E é sobre semelhanças que gostaria de trazer algumas questões.
Em alguns relatos sobre obras suas, você traz conceitos e ideias que me interessam muito – sobretudo suas ideias acerca da “negritude” e da “transdisciplinaridade” na dança.
Então, para começarmos, quem é Martine no contexto dos “artivismos” (arte + ativismo) que integra as questões sociais da população negra (morte, encarceramento, saúde, ancestralidade…) em suas obras performáticas? Quem é você, Martine, nessas trajetórias e o que deseja?
During this time—from my early 20s until now—I was working with folks, mostly Black people, who’ve been directly impacted by incarceration and the Prison Industrial Complex. I came to that work as an assistant to my father after college. He was consulting with the department that manages probation and parole in Washington, DC. Then I started making art and puppets with folks in Philadelphia, then in San Francisco and Los Angeles. But even before all that, I had this initial wound, which is the wound of having incarcerated family members you never get to see, learn about, or talk about. This is very, very common in the United States: People get locked up and many family members will turn away from them. (It strikes me that as we have a debate right now in the U.S. political stage about reparations. This is a part of the picture: The disproportionate rates of African Americans locked up–direct descendants of slavery–and how that impacts communities, not only because they are removed physically, but because the psychological damage it does to a community can include the challenges of how to maintain familial ties.)
I think the things that I want to accomplish are first and foremost about myself and others who I make work with. How can we get some feelings in our body as a way of researching ideas like “confinement,” “freedom,” “joy,” or “loneliness?” It’s movement research as a form of healing, because I really don’t think these experiences have been taken seriously enough. Secondarily, I’m very committed to using that movement research as an in-road for audiences and performers to think about the kind of world we really want to be in together. As a queer abolitionist (i.e., I’m queer and I believe in transformative justice as opposed to prisons and policing), that world, in my view, is one where all genders are celebrated, where healing is prioritized, and where creative expression is recognized as a necessary tool for development. And, not distinct from this, I think the universe that we can see and the universe that is invisible to us have a lot to teach us. So, I like making work that supports this kind of learning (e.g., what can we learn from trees, rats, minerals, black holes, etc).
OK, now my questions for you. It was fun to watch some of the videos of your stage work in contrast to what you shared with us at Comfort Station. Whereas the work you’ve been doing in the quilombos feels like dropping a seed and encouraging others to nurture it forever, the staged work feels more presentational–the process is important, but the end product is really the goal. Do you recognize this dichotomy, or do you disagree with this? Or, how do these two pathways to “doing the work” interact with and inform one another?
E durante esse tempo todo – dos meus 20 e poucos até agora – eu estava trabalhando com pessoas (a maioria negras) que foram diretamente afetadas pelo encarceramento em massa e pelo Complexo Industrial Prisional. Eu entrei nessa área trabalhando como assistente do meu pai depois da faculdade – ele era consultor do departamento que administra liberdade condicional em Washington, DC. E aí eu comecei a fazer arte e marionetes com gente na Filadélfia e depois em São Francisco e Los Angeles. Mas antes mesmo disso tudo, eu tinha essa ferida inicial, que é a ferida de ter membros da família encarcerados que você nunca pode ver, conhecer, ou falar sobre. Isso é muito, muito comum nos Estados Unidos: pessoas são presas e muitos membros da família viram as costas a eles. (Me ocorre, agora que temos esse debate nacional sobre reparações no âmbito político nacional nos EUA, que isso é parte do cenário: A parcela desproporcional de Afro-americanos dentre os presos – uma consequência direta da escravidão -, e como isso afeta comunidades inteiras, não somente porque eles são removidos fisicamente, mas também porque o dano psicológico que isso causa a uma comunidade pode incluir as dificuldades de se manterem laços familiares).
Eu acho que as coisas que quero alcançar são, em primeiro lugar, sobre mim mesma e os outros com quem produzo arte. Como nós podemos criar certos sentimentos no nosso corpo, como maneira de pesquisar ideias como “confinamento”, “liberdade”, “alegria”, “solidão” etc. E essa pesquisa de movimento como uma forma de cura, porque eu realmente acho que essas experiências não foram levadas a sério o suficiente. Em segundo lugar, eu estou muito comprometida a usar essa pesquisa de movimento como uma trilha para que o público e os performers pensem sobre o tipo de mundo onde realmente queremos viver juntos. Como uma abolicionista queer (isto é, eu sou queer e acredito em justiça transformativa, ao invés de prisões e polícia), esse mundo, para mim, é um em que todos os gêneros são celebrados, onde a cura é prioridade, e onde a expressão criativa é reconhecida como uma ferramenta necessária para o desenvolvimento [pessoal e social]. E, o que não é diferente, eu acredito que o universo que podemos ver e o universo que nos é invisível tem muito a nos ensinar. Então eu gosto de fazer trabalhos que apoiam esse tipo de aprendizado (por exemplo, o que podemos aprender das árvores, ratos, minerais, buracos negros, etc).
OK, agora minhas perguntas para você. Foi divertido assistir a alguns dos vídeos do seu trabalho no palco, em contraste com o que você nos mostrou na Comfort Station. Enquanto o trabalho que você tem feito nos quilombos é como plantar uma semente e encorajar outros a nutri-la para sempre, o trabalho no palco parece mais voltado a apresentação – o processo é importante, mas o produto final é realmente o objetivo. Você também reconhece essa dicotomia, ou você discordaria? Ou então, como esses dois caminhos para “fazer arte” interagem e informam um ao outro?
Besides, these stage works that you find fun to watch and dichotomic actually showed me a path where I should not continue, [which was] an important path in search of self-knowledge, [where I turned instead towards the path of] protest-art, of the autonomies of my body/ thought and of questioning. [I asked myself], “why be an interpreter-creator (stage performer)?” and “why be in service of an elitist, capitalist and colonial discourse to which I no longer subscribe?” I disagree with you with regards to understanding “stage art” as oriented exclusively to presentation. To be quite sincere, allow me to say, I think it is a reductionist view of a much broader universe formed by performance presentations and the entire process taken the artists before and after stepping on the stage.
My experience with dance is very different from yours. I began taking ballet classes at age 6, and was dedicated to that track until I was 18. Those were years of a lot of stage time, many artistic transformations, and a lot of work on the psyche of a Black girl who suffered under thousands of racisms in school. They were years of much strengthening as an artist in the world, a lot of ego and a lot of low self-esteem, nurtured by the vanity that is bred on stage.
When I reached 23, I decided to study contemporary dance in Montevideo, Uruguay, in one of the most important centers for contemporary body/thought practice in the country. And there, in conjunction with the school, in conjunction with Candombe, a Uruguayan dance/touch/art form of African origin, in conjunction with tango, which has African roots, among others, I began to restructure my artistic career in a deeper mould, one that belonged more in myself, and that was more critical of everything I had lived in the past, including my experience on the stage.
So, instead of thinking in terms of “dichotomies” or things that are distinct, and even opposed, in and of themselves, I see those experiences in the past and present as complementary, and both necessary to the basis of who I am today.
I cannot be ashamed of what I was and what I’ve done, and I do not regret having danced, for example, a “Christmas Musical” with snug outfits and highly symmetrical choreography, beside (only) white women. Those were the experiences that pointed to me the way to ancestry and to the search for myself (and not for the “Rockettes”), as a possibility to make me happier and more complete.
Do you see, Martine, how the experiences of the past can point and be the path, with a lot of sense and consequence, to what I am today?
In this process of performance-denouncement against mass incarceration, especially towards the diasporic Black population, and the dream, desire, or want for a “queer abolitionism” (I like this!), what are the biggest issues and absences that you feel in your performative and artistic process? That is, what are the conflicts that you feel while you perform when dealing with this theme? What are the implications and conflicts that you find in your own work?
A song for you: Laidu, de Rokia Traoré.
Além disso, esses lugares do qual você acha “divertido” e “dicotômico” me mostraram um caminho que eu ~não~ deveria continuar, [e apontaram um outro] caminho importante de busca ao autoconhecimento, da arte-protesto, das autonomias do meu corpo/pensamento – e do questionamento ‘por que ser intérprete-criadora?” e ‘por que estar a serviço de um discurso elitista, capitalista e colonial, com o qual não concordo mais?’.
Discordo de você em entender a “arte do palco” como voltada somente para apresentação. Sendo bem sincera, permita-me, acho uma ideia bem reducionista de um universo muito amplo em que se constituem as apresentações e todo processo dos/das artistas antes e depois de subir nele.
A minha experiência com a Dança é bem distinta da sua. Entro no ballet aos 6 anos de idade, estudando fielmente até os 18 anos. Nesses anos, muito palco, muitas transformações artísticas, muito trabalho na psique de uma garota preta que sofreu milhares de racismos na escola, muitos fortalecimento enquanto artista no mundo, muito ego e baixa auto-estima, cuidados pela vaidade proporcionada pelo palco.
Ao chegar aos 23, decido estudar dança contemporânea em Montevideo, Uruguay, em um dos maiores centros de corpo/pensamento contemporâneo do país. E lá junto a escola, junto ao Candombe, uma dança-toque-arte de matriz africana uruguaya, e junto ao tango, que tem raiz africana, etc., começo a reconstruir minha carreira artística em um molde mais profundo, mais pertencente a mim mesmo e mais crítico a tudo que vivi no passado, inclusive junto aos palcos.
Então, ao contrário de pensar em “dicotomias” ou algo que por si é distinto, diferente e até oposto vejo tais experiências no passado e presente, como ~complementares~ e necessária para a base do que sou e estou hoje.
Não consigo me envergonhar do que fui e fiz, não me arrependo por ter dançado, por exemplo, um “Musical de Natal” com roupas coladas e coreografias altamente simétricas, junto a (somente) mulheres brancas, porque foram essas experiências que me apontaram o caminho da ancestralidade e da busca por mim mesma (e não pelas Rocketts) como possibilidade de me deixar mais feliz e completa.
Consegue ver comigo Martine, que as experiências do passado podem apontar e ser caminho, com muito sentido, para o que sou hoje?
Nesse processo de performance-denúncia sobre os encarceramentos massivos, sobretudo da população negra diaspórica, e o sonho, desejo, ou querer de um “abolicionismo queer” (eu gosto!) – quais as maiores problemáticas e ausências noque você sente no seu processo performático e artístico? Ou seja, quais conflitos você sente enquanto performance em abordar essa temática? Quais são as implicações e conflitos que você encontra no seu próprio trabalho?
Música pra você: Laidu, de Rokia Traoré.
For the community-based work in the quilombos, you are still the through-line and you receive all kinds of value from this practice. But the difference in this community work (as far as I could tell from what you shared), is that the audience experience (if there even is an audience, I can’t tell), has way less value than the experience of the people doing the work with you.
It feels important to be able to acknowledge this difference without it implying that one practice is any less important for a dancer or performer or maker, or for their life. It feels important because it points to many of the problems with ‘stage work’ that I feel you are talking about in your response. It is meaningful when the audience–the one who watches–has so much impact on a performer’s life. And it’s part of what, to me, makes work where the audience is kind of non-existent or irrelevant, so powerful.
Ok, now to respond to your question.
There are so many absences! Starting with [the fact that] I don’t have the people who are in prison in my work. I’ve occasionally made work outside prison that has been in collaboration with folks who are formerly incarcerated. But what I’d really like to do (and think I’ll begin doing this this coming year) is make work in collaboration with people inside so that their work can be seen in the free world and also by other folks directly impacted by incarceration. So that is a big absence.
There are major problems with my work. I really like making performances with an audience in mind, I like theaters. I like abstract and conceptual and experimental work. I like work that’s hard to understand immediately. So it can be awkward at times—making work that is about really personal struggles people are going through, that I’m making into a kind of poetic art piece. But I like poetry and I like difficult art, so this is hard.
There is the problem of my body itself, which is really just generally a problem with performance. I’m talking about racism and Black people in my work, and I am a light-skinned girl with lots of other privileges, and this makes presenting these concepts with my own body occasionally problematic. I occasionally have not used my body (i.e., hired other performers), but I also really like the act of performing, so this is a challenge.
So many contradictions and problems. But then when I’m actually just doing the work I feel really alive, and that doesn’t feel contradictory or problematic at all.
Okay, my question for you is based on this good music you got me listening to!
I’m curious how music comes into your life—even beyond dance or movement. And I guess I mean music broadly—rhythms, sounds, etc. Do you feel impacted by sound and music generally, and how so? And do you think that translates into your dance and movement work?
No trabalho comunitário com os quilombos, você ainda é a linha conectora e você recebe vários tipos de valor dessa prática. Mas a diferença é que nesse trabalho com comunidades (pelo que posso dizer a partir do que você compartilhou), a experiência do público (se é que há um público) tem bem menos valor que a experiência das pessoas participando do trabalho com você.
Me parece importante poder reconhecer essa diferença sem que isso implique que uma prática é em qualquer aspecto menos importante para a/o dançarina/o, artista ou performer, ou para a vida dela/e. Me parece importante porque aponta para muitos dos problemas com o “trabalho de palco” que eu acho que você discute na sua resposta. É significativo quando o público – a pessoa que assiste – tem tanto impacto na vida do artista. E é parte do que, para mim, faz do tipo de trabalho onde o público é meio que inexistente, ou irrelevante, tão poderoso.
Ok, agora respondendo à sua pergunta.
Há tantas ausências! Começando pelo fato de que não tenho as pessoas que estão na prisão no meu trabalho. Ocasionalmente, eu fiz trabalhos fora da prisão em colaboração com pessoas que já estiveram encarceradas. Mas o que eu realmente gostaria de fazer (e acho que vou fazer no ano que vem) é trabalhar em colaboração com pessoas dentro da prisão, para que o trabalho delas possa ser visto no mundo livre e também por outras pessoas diretamente afetadas pelo sistema carcerário. Então essa é a grande ausência.
Há grandes problemas com meu trabalho. Eu gosto muito de fazer performances com o público em mente, eu gosto de teatros, eu gosto do trabalho abstrato e conceitual e experimental. Eu gosto de trabalhos que são difíceis de entender imediatamente. Então às vezes pode ser… estranho [awkward] trabalhar com batalhas muito pessoais das pessoas, e produzir um tipo de obra de arte poética. Mas eu gosto de poesia e de arte “difícil”, então é complicado.
E tem o problema do meu próprio corpo, que é um problema generalizado em performance. Eu falo sobre racismo e pessoas negras no meu trabalho, e eu sou uma mulher de pele clara com muitos outros privilégios, e isso às vezes faz com que a apresentação desses conceitos com meu próprio corpo se torne problemática. Ocasionalmente eu deixei de usar meu corpo (isto é, contratei outros artistas), mas eu também gosto muito do ato de dançar, então isso é um desafio.
Então há muitas contradições e problemas. Mas quando estou mesmo fazendo trabalho, me sinto muito viva, e isso não se sente de forma alguma contraditório ou problemático.
Ok, minha pergunta para você é baseada nessa música boa que você me fez ouvir!
Gostaria de saber como a música entra na sua vida – mesmo além da dança e do movimento. E acho que quero dizer música num sentido amplo. Ritmos, sons, etc. Você se sente impactada pelo som e pela música de forma geral, e como? E você acha que isso se traduz no seu trabalho em dança e movimento?
So, music is in my life as a form of breathing, as an indispensable dimension for my thinking, and [how I develop my art]. Over here in Salvador, we are constantly under the influence of sounds, and music becomes part of our everyday coming and going. Through this influence, I believe dance and music almost become one, inseparable and profoundly related.
In my artistic work in dance, I use music (singing, sounds, instruments) very much, as a psycho-emotional transport that takes me to a place of free corporal expression and non-verbal communication. But I prefer to begin artistic processes with the “sound of silence” and the sounds that my body and that of the other make in the moment of dance.
It is also very powerful to use sound, in general, as an object of investigation when creating dance.
I remember very well my lessons on sound when I was invited to work with Federica Folco, a Uruguayan contemporary dance artist and director of Companhia Periféricos in Montevideo.
With her, we made many many experiments about the power of sound, especially the sounds of words and of breathing.
Wow! We reached incredible corporal states, and there I realized that sound and music are much more than we are used to sensing. Since sound is a form of vibration, it influences everything that is around us and has an immense power to change patterns in our body. Isn’t this wonderful?
(To know more about Federica Folco, go to this website, and about the performance that she directed where I participated, watch this video).
I like and admire very much the sounds of breathing, of wind in the trees and of waterfalls. I reach a state of contemplation every time I am by the sea and hear the sound of waves and waters. I am nourished by sound and I am the walking sound itself!
Here we go, my last question! Where do you see, feel, or perceive yourself in 10 years? A future-oriented question in the spirit of the song: “Ojo Odun” interpreted by Inaicyra Falcão dos Santos (a gem from our Bahian soil!).
A música está na minha vida como uma respiração, como uma dimensão indispensável pra eu pensar, ser e desenvolver Arte. Aqui em Salvador, somos influenciadas/os por sonoridades todo o tempo, e a música torna parte do nosso cotidiano de ir e vir. É nessa influência que acredito que dança e música se tornam quase uma coisa só, inseparáveis e profundamente relacionáveis entre si.
No meu trabalho artístico em dança utilizo muito a música (cantos, sons, instrumentos) como um transporte psico-emocional que me leva a lugares de livre expressão corporal e comunicações não verbais. Mas para iniciar processos artísticos em dança prefiro o “som do silêncio” e as sonoridades que meu corpo ou o/a do/a outro produz naquele momento.
Também nas práticas de criação em Dança é muito potente quando utilizamos o som de forma geral como objeto de investigação.
Lembro bem dos aprendizados sobre “som” quando fui convidada para trabalhar com Federica Folco, uma artista da dança contemporânea uruguaya e diretora da Companhia Periféricos em Montevideo.
Junto com ela fizemos muitossssss experimentos sobre a força do som, sobretudo o som das palavras e da respiração.
Nossa! Chegamos a lugares incríveis de estados corporais e ali percebi que o som ou a música é muito mais do que aquilo que estamos acostumados a sentir. Além disso, sendo o som também um tipo de vibração, ele influencia tudo que está ao nosso redor e tem um poder imenso de mudança de padrão no nosso corpo. Maravilhoso, isso, né? (Para saber mais sobre Federica Folco acesse esse site, e sobre o espetáculo que participei dirigido por ela, veja esse vídeo.)
Gosto e admiro muito do som da respiração, do vento nas árvores e da cachoeira. Fico num estado de contemplação toda vez que estou em frente ao mar e ouço o som das ondas e das águas. Me alimento do som e sou o próprio som ambulante!
Agora vai minha última pergunta!
Onde você se vê, se sente ou se percebe daqui há 10 anos? Pergunta futurista no embalo da música (preciosidade da nossa terra baiana!)
OK, your question is difficult. I’d really like to be starting a family in the next ten years, which makes thinking about career challenging. On top of that, I feel very aware that global warming will greatly impact things that I currently take for granted as the natural flow of things, so that also makes it hard to think clearly about the future.
But I will venture to say I’d like to be leaving the country more. I am craving more diverse conversations that challenge me to reflect more on the country I’m from and why I stay in this place. I’d like to know how people in other places respond to my work, which feels in some ways very rooted in the U.S. The project I’m beginning to work on now is larger in scale than anything I’ve ever done, and I recognize it is a move toward my ultimate goal of building either a company or some kind of regular ensemble or collective. And this makes me know that part of where I’d like to see myself in ten years is financially stable in a way that I am not now.
Generally, I’d like my work to get weirder and weirder. I’d like to be working regularly with an ensemble so that I can begin to transfer some of this movement research into other bodies–specially Black and Brown bodies–and I’d like to continue working with that impulse toward strangeness, and to do this as a group or collective.
I’m going to turn around and ask the same question to you, Candai, because I think it’s a good one.
Ok, a sua pergunta é difícil. Eu gostaria muito de estar formando uma família nos próximos dez anos, o que torna difícil pensar sobre carreira. Além disso, eu me sinto muito consciente de que o aquecimento global vai afetar muito as coisas que hoje assumo como o fluxo natural das coisas, e isso também torna difícil pensar claramente sobre o futuro.
Mas eu vou ousar a dizer: eu gostaria de sair do país com mais frequência. Eu desejo conversas mais diversas, que me desafiem a refletir mais sobre o país de onde eu venho e porque eu continuo por aqui. Eu gostaria de saber como pessoas em outros países respondem ao meu trabalho, que me parece de certa maneira muito enraizado nos Estados Unidos. O projeto que estou começando agora tem uma escala maior do que qualquer outro projeto anterior, e eu reconheço isso como um movimento na direção do meu objetivo de construir ou uma companhia ou algum tipo de ensemble ou coletivo que trabalhe junto regularmente. Isso me faz saber que parte de onde eu quero me ver em dez anos é um lugar de estabilidade financeira, onde ainda não estou hoje.
E de forma geral, eu quero que meu trabalho se torne mais e mais estranho. Eu gostaria de estar trabalhando regularmente com um ensemble para que eu possa começar a transferir um pouco dessa pesquisa de movimento a outros corpos – especialmente corpos negros e pardos – e eu gostaria de continuar trabalhando com esse impulso em direção ao estranho, e fazer isso como parte de um grupo ou coletivo.
[Pergunta] Eu vou fazer a mesma pergunta a você, Candai, porque eu acho que é uma boa pergunta.
In 10 years, how hard to imagine!
I also see myself in transit—through different parts of the world, especially Africa and Asia. I see myself with a child. I see myself working with women, in different situations and continuing to exercise my profession in art and gender relations. I see myself more vegan, more perfectionist, and more flexible with life! I see dance as an ever more integral part of me, of my body, and my Spirit.
I see myself happy, crying, and reflexive about every step I will give.
All the best to you!
Em 10 anos, que dificil!
Me vejo em trânsitos também! Por diferentes lugares desse mundo, sobretudo África e Ásia. Me vejo com filhx. Me vejo trabalhando com mulheres, em diferentes instâncias e exercendo minha profissão na arte e nas relações de gênero. Me vejo com cabelo curto, mais vegana, mais perfeccionista e mais flexível com a vida! Vejo a dança como uma parte cada vez mais integral de mim, do meu corpo e espírito.
Me vejo feliz, chorosa e reflexiva com cada passo que irei dar.
O melhor pra você!
Footnotes:
[1] Quilombos are communities of African descent in rural Brazil, founded throughout the centuries as settlements by people who were often, but not necessarily, escaped slaves and their descendents. According to Candai, the main feature of quilombola communities is their Afro-Brazilian origin, with a majority Black population. The definition of the term is expansive and disputed, as it is tied to understandings of race, territory, self-determination and resistance. Candai speaks of urban quilombos formed in Black majority communities in peripheries of the city, and of the foundation of a quilombola consciousness for individuals and communities to identify as a quilombo and with their African heritage.
[2] The expression “intérprete-criadora”, literally “interpreter-creator” is used in Portuguese to refer to an artist performing a piece directed or written by someone else, as “interpreter” while also bringing their own corporal expression, as “creator.” As opposed to “dancer” and “ballerina,” the expression highlights the creative agency of the performer – as artist – in a directed stage setting.
Featured Image: Candai during the performance “Second Hand”, directed by Paulia Giuria, at the Escuela de Danza Contemporánea Casarrodante, in Montevideo, Uruguay, March 2016. Photo courtesy of Escuela de Danza Contemporánea Casarrodante. // Candai durante a performance “Second Hand”, dirigida por Paulia Giuria, na Escuela de Danza Contemporánea Casarrodante, em Montevideo, Uruguai, março de 2016. Foto cortesia da Escuela de Danza Contemporánea Casarrodante.
“Perto de Lá <> Close to There” runs from August 9 through August 19, in Chicago, featuring a series of public events with the Brazilian artists in locations throughout the city.
Marina Resende Santos is a guest editor for a series of conversations between participants of “Close to There <> Perto de Lá”, an artist exchange program between Salvador, Brazil and Chicago organized by Comfort Station (Chicago), Projeto Ativa (Salvador) and Harmonipan (Mexico City) between 2019 and 2020. Marina has a degree in comparative literature from the University of Chicago and works with art and cultural programming in different organizations in the city. Her interviews with artists and organizers have been published on THE SEEN, South Side Weekly, Newcity Brazil, and Lumpen magazine. // Marina Resende Santos é editora convidada de uma série de conversas entre participantes de “Perto de Lá <> Close to There”, um programa de intercâmbio de artistas entre Salvador e Chicago, organizado pelos projetos culturais Comfort Station (Chicago), Projeto Ativa (Salvador) e Harmonipan (Cidade do México e Salvador), entre 2019 e 2020. Marina é graduada em literatura comparada pela University of Chicago e trabalha com programação artística e cultural em diferentes organizações em Chicago. Suas entrevistas com artistas e organizadores foram publicadas nas plataformas THE SEEN, South Side Weekly, Newcity Brazil, e Lumpen Magazine.